quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

BRINQUEDO - execução

  Turma B5 do 3º ano do Douro - poema Brinquedo.

 Brinquedo

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.


Miguel Torga





quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

OLHAR DE LER E SABER - Teresa Capela



Num cenário idílico, com uma belíssima paisagem vinhateira, o Douro ao fundo, um Velho e um Burro, companheiros de trabalho e de vida, posam para a fotografia.
E ali o tempo parece ter parado…
E ali a água espelha o céu…
E AQUI fica o cheiro a terra, a pedra e a raízes...

XXXXX


A proximidade, a expressão e o sorriso sugerem dependência mútua e afeto entre o Humano e o Animal.
A paisagem define a cultura da região do Douro, de que o Burro é parte integrante, por assegurar o transporte das cestas de vindima por vinhas mais íngremes.
Esta vida dura deixa marcas profundas, como socalcos, nos rostos escurecidos pelo sol. São rugas que despertam em nós alguma nostalgia, por nos lembrarem os nossos avós.
Apesar da aspereza desta vida, a imagem transmite sentimentos positivos: felicidade, partilha e carinho (como o que nos une aos nossos animais de estimação); orgulho nas nossas raízes e respeito pela tradição que dá alma ao Douro.

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No Reino Maravilhoso de Torga, os Bichos - homens e animais - convivem.

Sobrevivem como podem, nesta Terra, mãe de todos.
Caminhando juntos pelos socalcos e pela dureza das montanhas da vida, não raro os primeiros se animalizam enquanto os segundos se humanizam.
Tanto uns como outros reclamam das muitas injustiças de que é feita a vida…
Quanto a nós, ficam memórias das histórias lidas quer para nos desconcertar quer para nos educar!

 Textos dos alunos da professora Teresa Capela.



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

DECOMPOSIÇÃO






Miguel Torga Século XXI - Bichos Contos

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BICHOS CONTOS TORGA


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BRUXEDO - adaptação

O conto Bruxedo de Miguel Torga 
(Adaptado por Salte Valente - equipa BE)

À Janela
Joana “Melra”: ( À janela da casa e a falar sozinha, toda furiosa)
_ Eu posso perdoar muita coisa, pois sou uma pessoa temente a Deus, menos que falem mal das minhas filhas! (Joana parou de falar para ver as horas e depois continuou)
_ As minhas filhas estão casadas, e muito bem casadas, não são como as da Vila Velha! Essa Gomes tem pelo na benta, mas eu nunca lhe tive medo! Parece que a coça que lhe dei não lhe serviu de emenda, ai não, não…
 (Sai da janela e vai para a varanda onde pega na meia e começa a remendar. E prosseguiu com o monólogo)
_ Já lá vão quinze anos, mas eu nunca esquecerei!

Leopoldina: (Que passava na rua, mas a tempo de ouvir a última frase)

            _ Ó tia Joana, o que é que você nunca esquecerá?

Joana: ( Joana para de remendar e  responde à vizinha, cruzando os braços)

            _ A malha que dei àquela serigaita da Gomes. Mas uma coisa é certa…( suspende a fala) depois daquele maldito dia, nunca mais fui a mesma pessoa…

Leopoldina:
            _ Lá isso é verdade!...Anda tão desolhada, mulher!...
Joana:
            _ Pois é... Tenho dores no corpo, não tenho nenhuma vontade de comer, quebrada…

Leopoldina:
            _ Ó D. Joana, mas a senhora sempre foi rija como o aço! Quando paria os filhos era um ai que lhe dava, sempre trabalhou, comeu e bebeu como um homem. É uma mulher de armas!

Joana:
            _ Lá o que tenho, Deus é que sabe. Agora que não é coisa boa, não é. (E prosseguiu meio encolhida na sua doença) _ Dói-me tudo, não posso ver a comida, sinto palpitações… Vou entrar que o meu Inácio está à minha espera. (Dirige-se para a cozinha)

Leopoldina:
            _ Vá com Deus, mulher, e não ande a malucar com coisas que não existem…

Na cozinha

(Já na cozinha, Joana sentiu-se mal)

Joana:
            Ai, Inácio, vem depressa que me está a dar a breca, vem depressa…( desfalece )

Inácio: (Vindo de outro compartimento da casa)
            _ Ó mulher, que flatos são esses, não entendo?
Joana:
            _ Eu não sou mulher de flatos, de achaques, ou diabo que o valha! (protestava) Quem pariu doze filhos como eu pari, sem um desejo, sem uma palavra que se ouvisse na rua, não é de flatos!
 Inácio: Anda comer que o teu mal é fome! ( Inácio senta-se, ao mesmo tempo que dá um jeito na mesa: muda o pão, a caneca do vinho, abre a panela e enche as malgas do caldo. Come e bebe um pouco. E continuou)
Olha que eu nunca me engano naquilo que eu digo…
Como a mulher não havia meio de se sentar, repreendeu-a)
_  Ó mulher, senta-te e esquece essas maluquices. Come o caldo e bebe uma pinguinha que te vai fazer bem. Enche-me esse bucho, mulher, que estás branca como a cal!

 ( Joana senta-se e come um naco de pão e diz. Pausa. Depois prossegue)



Joana:
            _ Ó homem, ando cá a malucar umas coisas…Até já me lembrou…Cala-te boca…( pega na malga do caldo e come umas colheradas)

 Inácio:
            _ O quê?
Joana:
            _ Que me fizessem qualquer bruxaria…
Inácio: ( Deixa de comer)
            _ Deixa-te de maluquices e vê se tens propósito! Só faltava mais essa!… Valha-te Deus!
Joana:
            _ Eu sei lá! Sinto-me tão cansada, tão moída…
Inácio:
            _ Já te disse que são flatos. Não é mais nada. Não há feitiços nenhum. O povo ignorante é que acredita nesse e outros disparates. Se pusessem os olhos nas pessoas de certa categoria… nunca se ouviu dizer que a senhora Fulana ou o senhor Sicrano andassem com o diabo no corpo. Só a gente que não tem instrução é que acredita em bruxedo. Palavra de honra! (diz em tom de descontentamento)

Joana:
            _ Diz-lhe que não. A Deolinda também começou  assim, que eram maleitas, que eram febres intestinais, que era sífilis, e vai-se a ver, tudo mandingas da Leopoldina.

Inácio:
            _ Ah!, Ah!, Ah! Ó mulher, coitada da Leopoldina! O poder dela é tanto como o meu! E que motivos deste tu à Leopoldina para te fazer mal?
Joana:
            _ A ela nenhuns.
Inácio:
            _Então, já vês…
Joana:
            _ Pois olha que não se me tira do pensamento…
Inácio:
            _ És teimosa!
Joana:
            _ Serei. O pior é o resto…Seco-me de dia para dia…

( Ainda na mesa a servir-se do que lá está, Inácio coça a cabeça)

Inácio:
            _ Que tu te estás a sumir, é bem verdade, mas a Leopoldina é que não é para aqui chamada!
Joana:
            _ Por incumbência da Gomes, homem. Tão certo como Deus estar no Céu!

Inácio:
            _ Lá vens tu com enredos, mulher! Trata de dormir, e amanhã vai ao Paliteiro que te venda sal amargo e toma-o. Isso são flatos ou é estômago sujo.

Joana:
            _ Como eu tive aquela pega com a Gomes e ela agora não sai de casa da Leopoldina, aqui-del-rei que ando enfeitiçada. Tenho a certeza! Até dou conta quando me estão a coser a andilha! Acordo de noite com os alfinetes cravados no corpo!

Inácio:
            _ Valha-te um burro, mulher! Reloucaste. Depois de velha, reloucaste!
Joana:
            _ Eu sinto! Eu sinto elas picarem o mono.
Inácio:
            _ Que mono?
Joana:
            _ Elas fizeram um mono de pano, e a bruxa faz malefícios, judiarias nessa figura da pessoa a desgraçar.
Inácio:
            _ Estás num lindo estado, sim senhor! E tão sã que tu eras do miolo!
Joana:
_ E é que dão cabo de mim, as coiras! Uma agonia, uns apertos no coração…
Inácio:
            _ Bem, se até amanhã não melhorares vou-te buscar o curandeiro da Azoia. Que hei de eu fazer! Assim é que não podes ficar. E que venha a Emília tratar de ti.
Joana:
            _ Vai lá chamar esse tal curandeiro.

(Inácio sai. Joana continua sentada a cismar e a comer. Depois entra o Curandeiro de Azoia e Inácio )

Curandeiro de Azoia:
            _ Ora bom dia! Esta é a desgraçada que está possuída pelo demónio?

Inácio: ( Chega-se junto ao Curandeiro e segreda-lhe ao ouvido, sem que a mulher deia por isso)

_ Não diga isso, homem!

Curandeiro:
- Ah, pois… Vamos, então,  ao que interessa. Em primeiro lugar, dinheirinho na mão, senhor Inácio. Não vá o Diabo tecê-las e a coisa dar para o torto, saio daqui de mãos a abanar. É o que eu sempre digo: “ Dá cá, toma lá” (Estende a mão e vira a cara para o lado enquanto o senhor Inácio lhe dá a paga)
Curandeiro:
_ Assim está melhor! Agora sim, vamos tratar da maleita. Vira, volta a virar, ( Dirige-se a Joana)
 D. Joana, você realmente tinha razão? Ai este sexto sentido das mulheres! ( pausa) São duas mulheres…
Joana:
_ Pois eu não te disse, Inácio, são aquelas duas malvadas…Seco-me de dia para…O meu Inácio não acredita em mim…
Curandeiro:
            _ Mas devia, pois a senhora está possuída pelo diabo que a está a secar…Eu sinto…Elas…elas fizeram um feitiço…oiço as malvadas a rirem-se de si …(começa a tremer como se estivesse a sentir a presença de algo sobrenatural. Depois abre os olhos e encara a D. Joana que olha para ele sem surpresa quanto ao que ele lhe vai dizer)
             
            _  Um trabalho feio, sujo…mas eu vou receitar-lhe uma garrafa deste milagroso licor, e vai ver que vai ficar rija que nem aço. Vou indo que já se faz tarde. Ainda tenho que pregar o sermão noutra freguesia…

(O Curandeiro entrega a garrafa, cheira o dinheiro e sai apressado)
            _ Este já está no papo, o resto são conversas! (Aparte)

(Inácio acompanha o Curandeiro. D. Joana toma o licor, mas de nada adiantou. Na cozinha Joana chama por Inácio que chega logo a seguir, queixando-se)
Joana:
            _ Inácio, estou cada vez pior! O licor do pantomineiro do curandeiro não fez nada. Bota-te à serra à casa da santa, se me queres viva! Leva-lhe uma camisa minha e conta-lhe tudo.
Inácio: (Aparte)
            _ Vou mas é à Vila consultar o Dr. Amaral. (Aparte) Santa! Santa estás tu da caixa dos pirolitos. Vai deitar-te que eu vou já ter contigo.
(Reclama o senhor Inácio para a mulher. Joana permanece na cozinha, enquanto o marido dá um jeito às cadeiras da mesa da cozinha. Nisto, Joana dá um grito)

Joana:
            _ Ai santo nome de Deus que eu morro! (Joana parece que vomita. Inácio vai em seu auxílio)

Inácio:
_ Ó mulher, vou dar-te uma pinga de chá de cidreira que está aqui na cafeteira.
(Joana, cheia de calores, começa a abrir a camisa que tinha vestida. Inácio dá-lhe o chá) Este chá de cidreira é remédio santo! Acalma, e deixa de malucar com sandices!
            (Joana bebe o chá e quando vai a pôr-se a pé sente-se novamente mal)

Joana:
_ Ai, que aquelas grandes putas atravessaram-me a alma! Ai! Que eu sinto-me estrafegada! Ai Jesus, que eu morro! Ai…


Inácio:
            _ Sossega, mulher, sossega! ( A tempo de agarrar  nela no seu regaço) _Valha-me Nossa Senhora! (A mulher ficara-se-lhe nos braços)
(Doido, sem um gemido que lhe abrandasse o desespero, correu para a rua, desvairado, à procura de um socorro impossível. Abriu a porta e, mal a puxou, caiu-lhe aos pés um mono de farrapos todo cravado de alfinetes e com um prego espetado no sítio do coração.

Inácio:
_ Afinal, não eram flatos, bem dizia a minha Joana!
(Exibe o mono com o prego pregado no lado do coração)

TORGA, Miguel _ Contos da Montanha, Publicações Dom Quixote.                      

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020